fraseando meus passos
posso fechar os olhos
fecho os olhos
posso ouvir melhor

posso ouvir sua mão se estender
entrego meus ouvidos
cante pra mim, entrego meus ouvidos...

se nessa solidão
eu encontro a paz
eu preciso do caos
eu preciso de vocês

Manhã interior

Quando o dia amanhece aqui na minha rua

os pássaros cantam e os galos anunciam o novo

Escuto, ao longe,

o primeiro homem atrasado

os primeiros passos pesados e apressados

 hoje, na minha rua.

Ontem olhei um corpo morto num caixão.

 Enquanto eu olhava aquele homem

 que desconheço

meu coração batia muito forte

como um lembrete.

Na beira do riacho...

na beira do riacho, vive menino-pedra
ele canta a cantiga do não-ser
e flui no não-tempo
sabe assobiar com o vento
e silenciar com o silêncio
não sabe que sabe
mas sabe disso tudo
que os homens tentam aprender nos livros...

Os homens abstraíram a existência,
estão se distraindo lendo o mundo dentro de um papel
enquanto o mundo roda um carrossel cheio de vida

tons azuis, respirações translúcidas
transportam transparentes estrelas
dentro daquele menino-pedra
o mundo se parece com o mundo
o próprio universo observa o universo
dentro do vazio que é o menino

sinto a cidade olhando pra mim

fria e hostil

o dia nasce

e um pássaro agradece com cantos

brônquios saudáveis

a dor que surge quando tentamos reprimir nosso infinito
é a mesma dor que surge quando uma brincadeira é restringida
quando um grito é calado
palavras não são nada mais que pedaços de vento passando pela garganta

infinitude

falamos sobre tão pouco... sendo tanto.

Podemos ser brutos na sutileza que é afirmar com o coração aquilo com que concordamos. O amor é toda hora desfocado por causa do medo. Os homens sentem medo de suas feridas, porque acreditam que podem impedir que elas façam doer. Transformar a dor de perceber o sofrimento, em instrumento pra revelar nossa essência, é o caminho pro fluxo coletivo.

Entender uma coisa com o coração significa absorver um saber inseparável e completamente independente de memória, tempo, intelecto, aparência, carne...

AS PALAVRAS ME CANSAM

Rousseau

''[...] Todo artista quer ser aplaudido. Os elogios de seus contemporâneos são a parte mais preciosa de suas recompensas. Que não fará para obtê-las, se teve a infelicidade de nascer entre um povo e no tempo em que os sábios, ficando na moda, colocaram uma juventude frívola em posição de dar o tom; onde todos os homens sacrificaram seu gosto aos tiranos de sua liberdade; em que, não ousando um dos sexos aprovar senão o que é proporcional à pusilanimidade do outro, deixam-se perder obras-primas de poesia dramática e rejeitam-se prodígios de harmonia? O que fará ele, senhores? Rebaixará seu gênio ao nível de seu século e prefirirá compor obras comuns, que sejam admiridas durante sua vida, a maravilhas que só serão admiradas muito tempo depois de sua morte. [...] Desse modo, a dissolução dos costumes, consequência forçosa do luxo, acarreta por sua vez a corrupção do gosto. Se, por acaso, entre os homens extraordinários por seus talentos, encontra-se um que possua firmeza de alma e se recuse a ceder ao espírito de seu século e aviltar-se com produções pueris, desgraçado dele! Morrerá na indigência e no esquecimento. [...]''